sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Um Parágrafo Vazio

Porque é que a vontade de pegar na esferográfica e redigir estas inglórias didascálias de pensador menor urge mais veementemente nestes apodos do declinar sobremaneira ante a ruína que no fundo é a filha pródiga da assexuada ausência do nosso alterego incomparável? "Paupertas impulit audax", ególatra inapto vicejando os apolíneos anais inextricáveis nos limites do conhecimento ecuménico, conquanto frágil, Importa-nos muito, isso, agora, Que ao menos uma antífrasezinha, que ao menos um litote simples para dar uma corzita idiomática a este desperdício sorumbático de quadro; Que ao menos uma referênciazinha ao latim de Horácio nas Epístolas nos desvie o sentido destas reverberações passionais que Me imolam a alma a divindades absurdas numa merda dum holocausto inofensivo, Que ao menos um final de parágrafo com Mário de Carvalho, que "a vida dos homens comuns é tão complicativa, ai de nós, como a dos incomuns", ambos argueiros atómicos a deambularem pela nulidade niilista do universo sobressaltado sem motivo, que nos abandona à mercê do arbítrio de um oculto aleatório, e o entretanto ter furtado o lugar do posfácio do parágrafo, que havia já destinado às pesadíssimas palavras do Sr. Mário, e porquanto somos crianças desprotegidas que minuciosamente se curvam à fria efemeridade deste legado de Tempo, é culpa, grande culpa, desse mesmo senhor, por ter, de algum modo, com o seu condão intelectual, instigado alguma variante menor de inspiração no Meu paupérrimo vaso da Criação, que - ao menos Zaratustra - se tivermos em conta que "o criador queria desviar de si os olhares e por isso criou o mundo" e que à parte ulterior da nossa percepto-concepção da realidade marcial desse dito mundo, orgias de anjos, Gestos de poeta e poemas lavados de significado. Embriaguez de palavras: Imponente caminhar de lábios neste entorpecimento analítico, Irrecuperável ondular o postíbulo do semblante nesta inconsequente metáfora gramatical, neste mero exercício de linguagem, que todas as rosas são eufemismos, todos os poemas, sarcasmos (e o gargalhar de fetos no ventre sensorial), e toda a moção do sentimento, uma antítese unificada. Servimo-nos deste pacto eterno nesta unidade química "assim como nos servimos de palavras, que são sons articulados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e subtis movimentos da emoção ou do pensamento", que ainda assim Um Pessoa, que ainda assim Um suave projecto: Rocha de Vida; Ser nobre vegetal ao penetrar o obscuro dos sonhos, sempre com a intuição do tempo, que ao ocaso da ociosidade do leitor mais evoluído, a felicidade lhe salve o dia da perspicácia ou da esperteza e o enriqueça sem significado ao fazê-lo sem fundamento, Que ao menos um fim cada vez mais próximo, nesta pobre estirpe teatral de segundo acto de segunda categoria e sem nexo deste mui vazio e miserável parágrafo.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Noite de Nenhum Poeta

Sonhei-te sem alma,
Sonhei-te a nu.
Sim. Sonhei-te calma.
Sim, talvez fosses tu.

Gélido ser errante,
De mente distante,
Eras metade de um instante.
A outra metade, constante.

Eras só a carne
Sem todo o resto.
Um total desarme.
Um húmido gesto.

Assim não me queria dar,
Não sem antes te mostrar
Tudo que há por dentro
E que a alma é alimento.

Então, o corpo parte.
Fica só o espírito,
Fica só a arte
De um ser onírico.

Hoje,
Intento poetizar esse sonâmbulo apogeu,
Mas nem sei o que é a versificação.
Aqui, escreve quem nunca leu,
Aqui, a rima não tem direcção,
Pois quem escreve isto não sou eu,
Pois em nada disto há razão.

Ontem,
Logrou Camões maravilhar com elegias,
Vislumbrou melífluas ninfas, suas musas,
Mais atento que eu ao mundo e suas fantasias.
Depois vieram ideias oblíquas, obtusas,
E na condição de Pessoa, por dinastias,
Leio sem tédio suas palavras doentias.

Amanhã,
Selarei em ti a parte de trás de um suspiro.
Serás também o meu vazio, o meu retiro.
Tentarei moldar um rosto em tua alma,
Tentarei forçar uma rima na palma
De uma mão tua ou talvez na barriga.
Uma rima bonita. Sim, talvez eu consiga.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Ou A Morte Dos Sonhos

A permuta de dor que nos trouxe
até este ofegante paraíso de fumo azul
trouxe também a palavra sísmica do desejo
e pardas emoções que pertenceram já a outros,
porquanto tudo isto tivera sido autorizado
consentido e planeado neste nosso mundo de Pedras,
pois este cinismo necessário ter-nos-ia impedido
de te dirigir a palavra, forçando em ti
um valor que já não é naturalmente teu.

Então as Pedras saltaram na penumbra da idade,
num fundamento inventado por vetustas lágrimas
pois toda a razão que porvia a nossa maior verdade
Morrera, perscutando a alma com os sentidos.
Também porque o fogo queimara os amores perdidos,
o chão respirou fundo e a ubiquidade tornou-se inabitável.

Tomemos, porém e eventualmente, tudo como possível:
As grandes Despedidas na paridade perfeita dos grandes corações gélidos
Ao deixar assombrarem-me o mundo com o horror da promessa perpétua,
Ao reclamarem-me as pálpebras frias à vereda de um resíduo de sonho;
Pois a beleza é maior que a razão
e existe nesta enorme tolice,
Neste enorme pretérito final.

Ósculo

Se houvesse uma metáfora física para o momento seria uma efémera valsa vienense, mas dotada de uma promiscuidade engraçada, de uma insalubre imundície de desejo a querer dar a mão e alternar os dedos,
- Sou o pleonasmo e tu a antítese
de um ir embora doce conquanto débil e de um pequeno vazio no estômago pela hora de fechar os olhos e tentar adormecer.
Depois um desequilíbrio espontâneo na dança das tercinas, que concerteza encheu o Verbo de orgulho, cerrou um círculo público de íntimo contentamento que nos engolia o perímetro infinito para lá do alcance da
- Sou o pleonasmo e tu a antítese
percepção dos olhos dos homens; mais uma desconhecida maravilha, mais um glorioso fóssil ferido na confusão poética dos jâmbicos, sáficos ou datílicos das nossas deixas, como se isso contribuísse agora para o equilíbrio deste feliz relato, um estranho contar, de uma felicidade porventura
- Sou o pleonasmo e tu a antítese
concêntrica e mundana, mas que ainda assim riu ao percalço na dança e caíu por ora nas boas graças do Verbo que é inconstante e administra todos os
- Sou o teu predicado
momentos, neste caso com o seu frio reger de ósculo principesco e o seu forte carácter de prostituta; mas que se houvesse uma metáfora para o momento seria uma efémera valsa vienense, isso seria concerteza, com percalços dignos da aprazível promiscuidade, que de início nos parecia uma
- Sou o pleonasmo e tu a antítese
brecha no sistema do tempo, e a tal insalubridade imunda do desejo, que se existe inclusive na poesia parcial de completa confusão dos diálogos que travámos, então é invariavelmente um alexandrino à chuva, um heróico explosivo no ciclo perpétuo da ilusão,
- Sou o pleonasmo e tu a antítese
que se isso realmente existe para além da lógica ao nosso alcance, então é isso a crase da invariável noite.