sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Gramática do Silêncio

gosto de silêncio durante o período de gestação das palavras, gosto de lágrimas sujas, de lágrimas que deviam ter caído antes, sim, antigas, libertadoras, de ti nua, um caos de letras, uma desordem de morfemas, e aí dá-se a mão ao tempo, significados em cravo a abrirem-se no ventre, e assiste-se então ao parto de uma ou outra oração, uma mais bonita, outra mais feia, são assim os apetites irónicos da hereditariedade, mas espera porque ainda há placenta de silêncio por todo lado e sangue nas palavras, por amor de alguma coisa, alguém que me lave estas crianças, que as embrulhe em poemas confortáveis, e que lhes chegue um bocadinho de contexto, que agora saímos de nós, espera, espera que agora saímos de nós para assistirmos ao nascimento do Verbo, nós fora de nós e uma orquestra de classes gramaticais de propósito para ver um pequeno vocábulo nascer, será menino ou menina, nós fora de nós e o os nossos corpos, metonímias, as nossas mãos metáforas e por isso dá-se um forte abraço ao tempo, apertam-se tristezas para que depois as lágrimas caiam sujas, dado que as lágrimas sujas não precisam de palavras, nem de frases nem de textos, deviam ter caído antes e por isso são a maior unidade de significado no âmbito da mundividência semântica, contêm em si todos os contextos e aquele silêncio ecuménico que eu tanto gosto durante o período de gestação das palavras, gosto de poder ouvir os sonzinhos da linguagem no ventre, as letras, fetos dispersos, olha um morfema, olha significado, o primeiro sintagma, e então dá-se a mão ao tempo, não, minto, abraça-se o tempo porque as mãos metáforas, apertam-se significados no peito para que um dia as lágrimas caiam sujas por não terem caído antes, para que um dia todos os contextos, cada lágrima um texto, cada lágrima um romance, cada lágrima uma linguagem, e eu possa assistir ao período de gestação das palavras com todo o pormenor do seu inenarrável silêncio, um jardinzinho de verbetes, um quintal de sufixos, uma horta de silepses, um canteirozito de conjunções, vida e linguagem, dá-se a mão ao tempo, não, as mãos uma metáfora do tempo, e aí então uma melíflua anarquia de letrinhas, uma doce desordem de morfemas, mas espera porque coisas humanas no enunciado recém-nascido, prosopopeias?, alguém que me bote aqui os olhos um bocadinho que agora saimos de nós, como?, tipo, a voar, com asas de oxímoros, com a aerodinâmica das catacreses, sim, a voar a uma velocidade adverbial e uma orquestra de epítetos só para o nascimento do menino Verbo, que nós fora de nós a assitir a tudo, a ver as lágrimas que se sujaram por não terem caído antes serem livros gigantes e a linguagem a sair da ubiquidade para o espaço, porque o tempo demiurgo e eu um abraço que

domingo, 7 de junho de 2009

Estranho Acordo de Aforismos e Outras Significâncias


A primeira coisa que vejo num poema é uma mulher. Nas curvas insidiosas das palavras vejo ancas; no som plástico de um verso, uma pose feminina, um olhar e perversão. Qualquer romance merece uma rosa entre um homem e uma mulher; a linguagem tem direito a ver-nos fornicar, pois é tão necessária quanto nós.

Mas juro que não tenho piça quando a primeira coisa que ouço na melodia de um sintagma é uma mulher; prometo-lhe-me sem homem.

O que acontece é que à fraqueza da carne se sucede um sonho de pernas, línguas e mamas, os cabelos e a sintaxe dos broches; a verdade é que o brilho do suor nas tuas costas tem mais palavras do que isto ou qualquer outra poesia que já tenha lido, e talvez por isso possa ver nele, mais nitidamente, a semântica impossível que vou forçando na mulher de um poema.

O brilho do teu suor ou de qualquer outra excreção tua: a sobrevalorização do amor consiste no ardil do desperdício e na arte do excesso: um alexandrino que significa ser mais que do poesia, um sáfico que significa ser mais do que toda a literatura; a hermenêutica animal com um tesão incomensurável assiste ao nascer de uma flor, ao humedecer de uma cona, ouve a mudez dos espasmos do teu corpo, enamorados pela manivérsia do hedonismo, perdidos no dolo do prazer.

E, enfim, é por tudo isso que somos um poema bonito na obediência cega a preceito da beleza. Somos nós as palavras encerradas no suor que se te brilha nas costas e somos nós os espasmos do teu corpo quando te vens, perdidos na vaidade dos sentidos. Só que eu sou eu e tu não existes.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Flores


É mais da parte da noite que – orquídeas – me desligo e ouço então o plasma das montanhas a fluir no breu atómico, nos olhos, no vanilóquio, no verbo acreditar, no ar da deusa nocturna, na noite teocrática que – magnólias – também se desliga, ouve aquilo e, leve como neve, entra-se-me pelo nariz escamoteado adentro, ali mesmo, nos olhos negros da noite, no mero vanilóquio de chuva de verão, no ar que – camélias – se me entra nas fossas, e não se vê, acredita-se, desloca-se a fé; breu atómico nos negros olhos, horas precisas e um auto de crença. Uma sereia subtil, flauta de uma estrela longínqua, frases para pendurar, espíritos à volta do pescoço, jorrando sorrisos, os lábios a arquejar, pálido no meu espírito juntamente com um sim quando as – açucenas – chamas gélidas desse fogo frio me invadiram o corpo, coleando virilhas pálidas, dedos dos pés torcidos e um respirar fundo, ao sorver as chamas nos pulmões, e gritei lançando fogo quando a dor mais terrível se transformou no prazer mais requintado e – jades – ejaculei, um último grito, trémulas revelações nos espasmos dos orgasmos dos feridos que os mantiam sãos e sóbrios sob olhares sombrios, obscuras contemplações, negra exposição, negra plateia, acto de amor na – dálias – supersticiosa noite, acto de poesia no escuro absoluto, ao erguer o meu peso de asas, olhos de acreditar, a minha pesada liberdade do fundo deste enorme pacto emocional.

É raro acontecerem sonhos feitos do brilho do sol, mas uma lentidão quase poética testemunha este acto de amor no breu, na retina preta, surge um império de silêncio, mantemos intacta a dignidade do verbo com os – tulipas - braços da alma sempre bem abertos. Súbitas proclamações da mais bela estirpe de tristeza pairam no tempo, formam paredes de energia estóica e um tecto de família e perdão; ainda assim, de um assim cobreado, serpentino, labiríntico, anjos testemunham graça e urgência no caminhar e um poema preto, analítico, - isménias - uma elegância de testemunha, e o porquê de a nossa mudez já não nos conseguir ouvir, ilusões lutam pelo poder, parte-se uma cadeia metafísica, uma sequência de dias felizes, carinho e juventude, promessa de que nenhum erro será alguma vez abandonado, não enquanto a nossa percepção alada e a nossa esperança continuarem a dançar neste jardim de – margaridas - estrelas longínquas, sob esta trémula tempestade sintagmática, em noites distantes, neste chão de palavras, que é mais da parte da noite que me desligo e ouço o plasma das montanhas a fluir, no ar negro, nas narinas, que – papoilas – é mais da parte da noite que acontecem sonhos feitos com o brilho do sol, que ouço sangue a fluir, vida a fluir, que me desligo e aconteço, ouço a textura de velhos poemas, olhos profundos no breu, velhos de longos narizes sentimentais e o ar negro que – celestinas – se me entra nas fossas, que ao meu lado, o teu cheiro transparente, sobre o meu ombro, a memória ainda quente de uma mão tua. Ainda te ouço a ressoar nos corredores da distância e do esquecimento, distantes reverberações do que – prímulas - senti, onde se guarda a infância, onde uma enorme fraqueza me condena a ti e a uma fétida nomenclatura de conceitos obsoletos, com frágeis dedos de futuro, carne fraca do amanhã, dedos de - acácias - frágeis mãos efémeras, o breu completo por onde cirandam as mãos de aranha do passado, escuridão nas ideias, até ao passado no mundo das ideias e uma fraqueza de futuro; o passado recente também, com a sua inexorável consistência de papel, e, assim, de um assim réu, ao hoje nos abraçamos porquanto esta delicadeza requintada do agora nos afaga os sentidos, um afagar principesco mas uma sensorialidade imperial e, assim, de um assim artífice, somos cordeiros do momento; navegantes do já, neste instante, e – rosas - o agora já passou.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Borboletas Na Piça

Experimento-nos na vereda fria da distância. Sinto que experimentar nos levará a algum lado. Aos lábios grossos dos anjos. Sento-me no vazio que há entre o que somos e o que nos tornamos. O mundo tem demasiada pressa para que eu exista e o amor dança com demasiada habilidade e destreza, em seus truques de prestidigitação. Mas ainda assim vou ver se tiro uns dias para ser feliz - sinto borboletas na piça.